sábado, 9 de março de 2013
Cresce o número de famílias interessadas em adotar crianças negras no DF
O número de famílias interessadas em adotar crianças negras cresceu consideravelmente na capital federal nos últimos quatro anos. Esse aumento começou a ser observado em 2009 e, desde então, não parou mais.
De 2011 para 2012, por exemplo, o porcentual de adoção de crianças negras no DF subiu de 29,2% para 36,8%. Neste mesmo período, houve queda na adoção de crianças brancas, que passou de 67,7% do total de adoções para 61%. Os dados são do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e da VIJ (Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios), atualizados em fevereiro de 2013
A psicóloga e doutora pela UnB (Universidade de Brasília), Dayane Barreto, fez a dissertação de doutorado com o objetivo de estudar o comportamento e o perfil das famílias que querem adotar crianças ou adolescentes na capital federal.
O trabalho de pesquisa durou quase quatro anos e ela concluiu que o número de crianças negras em processo de adoção tem aumentado de forma gradativa e uniforme há vários anos. Para ela, isso significa dizer que se essa tendência continuar nos próximos anos, o número de crianças ou adolescentes vivendo em orfanatos ou casas de abrigo pode chegar perto de zero a médio e longo prazo.
— Essa vitória não foi conquistada integralmente até hoje porque, infelizmente, a maioria dos pais ainda procura por crianças recém-nascidas, brancas, loiras e sem qualquer tipo de deficiência. Mas começamos a sair do lugar e é bom ver que as pessoas começam a perceber que a realidade é outra nos abrigos. Aos poucos elas deixam de se preocupar com idade, cor e características físicas do futuro filho ou filha e permitem que o instinto paterno ou materno fale mais alto.
Atualmente, existem 406 pessoas habilitadas na fila de espera para adotar uma das 133 crianças ou adolescentes cadastrados e aptos ao processo no Distrito Federal. Do total de crianças, um terço é de negros e 62% têm entre seis e 12 anos. Do outro lado, 85% dos candidatos a pais se consideram brancos.
Pelos estudos, é possível ver que o número de crianças ou adolescentes aguardando por adoção é muito menor em relação a quantidade de pessoas habilitadas pela Justiça do DF para adotar. No entanto, Dayane reconhece que essa é uma transformação sutil que vai, a médio e longo prazo, transformar a cultura da sociedade.
— Acredito que estamos experimentando essa nova realidade porque desde de 2009, quando a Nova Lei de Adoção entrou em vigor, tornou-se obrigatório, antes de dar entrada no processo legal de adoção, fazer um curso com grupos de apoio especializados. Lá os profissionais abrem a mente dos candidatos a pais e mostram qual é a realidade das crianças que vivem atualmente nos orfanatos. A intenção é preparar muito bem essas pessoas, informando-as para valer e fazendo-as perceberem que quando o vínculo é bem estabelecido, qualquer diferença desaparece.
A supervisora substituta da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude, Niva Campos, explicou que a procura por crianças mais velhas, sem preferência de raça e sexo realmente aumentaram. No entanto, a maioria dos futuros pais ainda deseja bebês de cor clara.
— Embora uma parte das pessoas habilitadas para adoção apresente inicialmente um perfil mais flexível, no momento da apresentação da criança, ou durante a espera pela adoção, pode haver mudança do perfil desejado. O que percebemos é que, na verdade, não houve aumento de adoções de crianças negras, mas sim aumento no número de pessoas que aceitam adotar independentemente da cor essas crianças, que são maioria na realidade atual do DF.
O empresário Rafael Peixoto é um bom exemplo. Em 2007, antes da nova Lei Nacional de Adoção entrar em vigor, ele deu início ao processo junto com a ex-mulher. Na época, o casal planejava ter um filho biológico primeiro, mas depois de algumas conversas ficou acertado que o ideal era adotar uma criança.
Por conta disso, eles começaram a frequentar o grupo de apoio à convivência familiar e comunitária Aconchego. Receberam orientações da presidente da organização, Soraya Pereira, que é psicóloga, militante da causa e mãe de dois filhos adotivos. Para o empresário, esse acompanhamento foi fundamental para que pudesse ter sucesso na adoção dos filhos.
— É um processo essencial, fundamental e não deve ser ignorado, de forma nenhuma, por quem quer adotar. A gente aprende muito, se prepara bem e desmistifica bastante coisa. A gente passa a ver tudo isso de outra forma, com outros olhos.
Além das reuniões periódicas, livros especializados no assunto também são indicados e trabalhos voltados para adoção tardia realizados com os futuros pais. Em seguida, são mostradas as fases que naturalmente aparecerão durante todo o processo com as crianças. Orientações sobre como lidar com os problemas e superar qualquer dificuldade também são repassadas e o acompanhamento é feito de perto antes, durante e após a adoção, para que tudo fique bem entre pais e filhos.
Rafael relatou que a próxima fase foi dar entrada na VIJ (Vara da Infância e da Juventude). Neste momento, o perfil do futuro filho é escolhido. Ele disse que se sentiu mal enquanto marcava as opções com a ex-mulher, porque parecia estar "escolhendo legume no mercado ou na feira". Para ele, mesmo com a burocracia da época, que era maior do que atualmente, o processo não foi "demorado como dizem" porque não foi exigente.
— Eu queria ser pai e minha ex-mulher mãe. Nossa intenção era adotar uma criança. É demorado para quem é exigente demais, que quer um filho quase que perfeito. Conheço gente que está na fila de adoção há dez anos e talvez nunca consiga adotar porque escolheu um perfil extremamente detalhado.
Depois desse processo, o casal tornou-se habilitado. Com o curso de apoio concluído, eles entraram na fila de espera. Os dois aproveitaram esse momento para trocar informações e experiências com outros pais adotivos e filhos adotados para saber como lidar com a nova realidade que vivenciariam em breve. Foi neste momento que a ex-mulher do empresário recebeu a ligação de uma pessoa em Londrinha informando que um casal de irmãos biológicos tinha acabado de ser habilitado para adoção.
Uma foto, sem nenhuma outra informação, foi enviada para "análise" por email. Rafael disse que bateu o olho e teve uma boa sensação ao ver as crianças.
— Olhei e pensei: puxa, eles são bem bonitos! Fiquei aliviado por isso e depois me senti mal, porque se fossem filhos biológicos, por mais feios que fossem, esse tipo de coisa jamais passaria pela minha cabeça. Conversei com a minha ex-mulher e decidimos adotar os dois. Viajamos para Londrina, levamos todo o nosso processo daqui. Fomos a primeira família do DF a entrar no Cadastro Nacional de Adoção, fomos habilitados lá também e conseguimos adotar os dois. Na época, eles tinham de seis para sete anos e hoje têm de 11 para 12.
Em 2011, porém, Rafael se separou da mãe adotiva das crianças. No início, ele achou que isso fosse atrapalhar um pouco ou causar problemas na relação deles com os filhos, mas a convivência permaneceu boa e apesar da separação todos levam uma vida feliz e unida. Atualmente, a vida profissional do empresário é praticamente toda em São Paulo.
Por conta disso, uma vez a cada 15 dias ele vem a Brasília para se dedicar, com exclusividade, aos filhos. Nos outros 15 dias em que ele não está na capital federal, os filhos ficam com a mãe, que é servidora pública, mas o contato é mantido por telefone e email diariamente para que o vínculo de afetividade e paternidade não se perca.
— Quando separamos achei que fosse dar algum problema, mas foi bem tranquilo. Os dois lidam bem com tudo isso, são crianças muito inteligentes e compreensivas. Quando estou em Brasília, passo os 15 dias me dedicando integralmente aos meus filhos. Sei de tudo da vida deles, acompanho de perto desde os estudos até quem eles gostam na escola ou no convívio social. Somos melhores amigos e confidentes, relação que também acontece da mesma forma entre eles e a mãe.
Nova Lei Nacional de Adoção
A nova Lei Nacional de Adoção foi sancionada em 2009 com o objetivo de agilizar os processos que envolvem a adoção em todo o Brasil. O objetivo é tentar impedir que as crianças fiquem mais de dois anos em serviços de acolhimento institucional ou familiar, sejam eles públicos ou não.
Com isso, a expectativa do Estado é fortalecer o direito fundamental que toda criança tem de ser criada e educada por uma família formada por parentes próximos e que mantenham vínculos de afinidade e afetividade.
Quando foi sancionada, a lei passou a ser considerada pelas autoridades como um avanço, uma vez que reconhece a importância da família na criação e educação dos filhos, mudando, aos poucos, a cultura de que esse trabalho tenha que ser feito por meio dos acolhimentos institucionais, conhecidos como orfanatos, creches e casas de abrigo.
Agora, a expectativa do governo é que com essa lei os acolhimentos institucionais sejam utilizados somente como medida extrema, exepcional e provisória de proteção à criança e ao adolescente.
Benefícios da adoção para a mãe
Uma outra medida, prevista na Lei 10.421/02, diz que a mãe adotiva, assim como a biológica, tem direito à licença-maternidade de forma proporcional à idade da criança adotada.
Em outras palavras, isso quer dizer que caso o filho adotivo tenha até um ano de idade, a mãe poderá ter 120 dias licença. Se a criança tiver até quatro anos, serão 60 dias de afastamento e se tiver até oito anos, são 30 dias de abono.
O direito ao salário-maternidade também é estendido à mãe adotiva.
Como adotar uma criança no DF
Por meio de nota, a Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude explicou que para se adotar uma criança no DF é preciso fazer a inscrição para adoção por meio de advogado particular ou defensoria pública.
O processo é inteiramente gratuito na VIJ-DF (Vara da Infância e da Juventude do DF) e o interessado deverá se submeter ao estudo e preparação pela equipe interprofissional conforme legislação e determinação judicial do juiz da VIJ.
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