segunda-feira, 28 de outubro de 2013

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França estuda mudar Código Civil por bichos

Na França, um artigo do Código Civil provoca a mobilização de intelectuais na defesa dos animais. A legislação em vigor é de 1804, do tempo de Napoleão Bonaparte, e define bichos como "bens móveis". "O mesmo que um armário ou uma cadeira", diz a ativista Reha Hutin, presidente da Fundação 30 Milhões de Amigos, que conseguiu assinaturas de acadêmicos de peso para reformar o artigo 528.

A mudança da lei pode render efeitos práticos para os casos de maus-tratos e em relação ao uso de animais em pesquisas científicas. A entidade que promove ações de combate ao sofrimento dos animais e posse responsável reuniu o sociólogo Edgar Morin, o filósofo Michel Onfray, o ex-ministro da Educação Luc Ferry, o astrofísico Hubert Heeves e Matthieu Ricard, que é doutor em Genética Celular e monge budista, porta-voz do Dalai Lama na França.

Para a entidade, a lei é antiquada e representa uma França rural. Reha Hutin defende que os animais sejam elevados a uma "nova categoria" e que fiquem "entre as pessoas e os bens". "Embora animais não sejam seres humanos, é fundamental a proclamação de alguns atributos, como a capacidade de sentir prazer e, em particular, dor", afirma o manifesto.

A fundação tenta influenciar a agenda dos políticos e lançou a coleta de assinaturas na internet. Segundo a 30 Milhões de Amigos, cerca de 250 mil franceses já aderiram à petição. No site, a ONG apela para a autoimagem dos franceses: "O país dos direitos humanos não tem esclarecimento suficiente para reconhecer os direitos de outros seres dotados de sensibilidade?".

A França tem 63 milhões de cães, gatos, pássaros e peixes, segundo estudo divulgado no ano passado pela Facco (sindicato dos fabricantes de ração). É o país com a maior população de animais da União Europeia.

muito bom




Quando a saúde vem de barco
Projeto Doutores das Águas atende comunidades ribeirinhas

Dez metros acima das águas barrentas do Rio Amazonas, no topo de um barranco em Itacoatiara, a 270 quilômetros de Manaus, um bando de caboclos com serras e talhadeiras equilibra-se sobre as ripas de um grande casco de madeira escura, batendo e cortando. O ritmo de trabalho é ditado pelo calor denso da Amazônia, que pesa sobre suas cabeças, e pelo nível do rio abaixo deles, que está mais alto do que deveria para a época do ano. Dentro de uns dois meses, a água voltará a subir, e quando ela retornar ao topo do morro, em abril de 2014, o barco tem de estar pronto para flutuar. A saúde de centenas de famílias ribeirinhas depende disso.

O casco de 40 toneladas, construído de madeira de ipê e itaúba, é o primeiro estágio do novo barco-hospital do projeto Doutores das Águas, criado em 2011 por um grupo de médicos e pescadores de São Paulo que, sensibilizados com as necessidades dos ribeirinhos que conheciam durante as viagens à floresta, resolveram fazer algo a respeito. "Quando a gente vai pescar, são eles que cuidam da gente; então estava na hora de a gente retribuir e começar a cuidar deles também", diz o médico Francisco Leão, de 61 anos, um dos idealizadores do projeto.

Há três anos o Doutores das Águas leva atendimento médico e odontológico a centenas de famílias que vivem em comunidades isoladas nas bacias do Rio Negro e do Rio Madeira, centenas de quilômetros ao norte e ao sul de Manaus, respectivamente. Só neste ano, foram atendidas mais de 1,3 mil pessoas. Os médicos são todos do Estado de São Paulo e o trabalho é 100% voluntário – cada um paga a própria passagem até Manaus e presta o serviço gratuitamente.

"É uma experiência inesquecível. A gente vai lá e recebe muito mais do que dá", conta o urologista Leão, que já não clinicava há muitos anos, mas encontrou no trabalho voluntário uma forma de se reconectar com a essência humanitária da medicina. "Um mês que eu tiro para fazer atendimento lá é muito mais gratificante do que um ano atendendo num consultório em São Paulo."

"Todo mundo vem por idealismo, e todo mundo se emociona", diz o presidente da organização Doutores das Águas, Mauro Almeida Prado, um zootecnista, empresário e pescador de origem paulistana que vive em Manaus há mais de 30 anos e conhece o interior do Amazonas melhor do que muito caboclo nativo da terra. "A satisfação pessoal de cada um ao fim da viagem é indescritível."

Prado é proprietário da Pescaventura, uma empresa de turismo que organiza viagens de pesca esportiva em regiões remotas da floresta. A ideia do projeto social nasceu em 2010, quando Leão, que era cliente em uma dessas viagens, foi abordado por uma senhora ribeirinha que reclamava de dores nos pés. Ele fez uma consulta e deu a ela um frasco de analgésicos, pelo qual a senhora ficou profundamente agradecida.

Então, perguntou a Prado se havia alguma ONG que prestava serviços médicos a comunidades ribeirinhas, com a qual ele poderia colaborar. Prado procurou, mas não encontrou nenhuma de seu agrado, e resolveu desenvolver um projeto próprio, em parceria com Rubinho de Almeida Prado, seu primo e sócio.

Leão começou a recrutar os médicos, Prado e Rubinho se incumbiram de levantar o dinheiro e organizar a logística, e assim tudo começou. A primeira viagem foi em abril de 2011, para a região do Rio Madeira, onde muitos ribeirinhos nunca havia passado por uma consulta médica na vida. A comunidade mais distante atendida pelo projeto fica a cerca de 400 km de Manaus, no Rio Acari.

"Vamos aonde é mais necessário, não aonde é mais fácil ou mais barato", orgulha-se Prado. Cada viagem, segundo ele, custa cerca de R$ 100 mil – bancados por meio de uma série de parcerias e patrocínios. "Tapamos um buraco enorme que os governos não conseguem preencher."

Cada equipe leva seis médicos, dois dentistas, uma enfermeira e uma farmacêutica, além do pessoal de apoio (30 pessoas no total). Durante a viagem, nada de pescaria. A demanda de saúde das comunidades é grande, e a carga de trabalho é pesada.

Os médicos passam uma semana em cada região, atendendo uma comunidade por dia, em consultórios improvisados dentro de escolas e igrejas. Isso porque o barco atual, chamado Kalua, é de pesca esportiva, sem espaço adequado para fazer o atendimento, o que obriga a equipe a "perder" várias horas por dia montando e desmontando toda a infraestrutura de atendimento em terra firme.

Com o novo barco, essa dificuldade deixará de existir. A embarcação, que ainda não tem nome, terá espaço para oito consultórios, além de uma farmácia e uma sala limpa para atendimento ginecológico e realização de pequenas cirurgias – o que permitirá ao projeto atender mais pessoas, com mais eficiência, mais qualidade e mais segurança, segundo Prado.

"Fico mais alegre de fazer um negócio que não é só pra carregar boi", diz o carpinteiro Adelson França de Freitas, de 55 anos, responsável pela construção do barco. Nascido em Manicoré, às margens do Rio Madeira, ele conhece bem o déficit de saúde das comunidades ribeirinhas. "Um barco desses vai ser muito especial. Dá prazer de construir."

O formato do casco chama a atenção. Prado optou por um projeto retangular e de baixo calado, do tipo balsa, para ter o máximo de área útil possível acima d’água e ainda ter acesso a áreas de água mais rasa. A meta é que o barco fique pronto até abril de 2014, a tempo para as próximas viagens do Doutores das Águas – realizadas sempre no pico da cheia. O custo estimado do barco é de R$ 600 mil. Mas falta financiar metade disso.