Após polêmica, Cabral recua e vai 'revisar' decreto que exige dados de manifestantes
Juristas consideraram ilegal dispositivo que permitiria quebra de sigilo telefônico e de internet
RIO - O governo do Rio informou que o decreto do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) que criou uma comissão para investigar crimes ocorridos durante as manifestações no Rio será revisado. O texto causou polêmica entre juristas porque um de seus dispositivos daria poder ao Estado de quebrar sigilos telefônico e de internet sem autorização judicial.
Na interpretação do governo, porém, o decreto não dá esse poder às autoridades, que continuariam dependendo de autorização judicial para esse tipo de ação, conforme prevê a Constituição. Mesmo assim o Palácio Guanabara confirmou que o texto será modificado, mas não divulgou ainda detalhes sobre que alterações serão feitas.
O advogado Técio Lins e Silva chegou a comparar o decreto n.º 44.302 a comissões de inquérito criadas na ditadura militar e afirmou que “está entre o delírio e o abuso de poder”. “É caso de impeachment, há uma violação clara de direitos constitucionais.”
Decreto de Cabral é ilegal, dizem juristas
Solicitação de registros telefônicos em investigações de protestos é criticada
Juristas questionam a legalidade do decreto do governador Sérgio Cabral (PMDB) publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de anteontem que cria a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV). De acordo com o parágrafo único do artigo 3.º, as operadoras de telefonia e provedores de internet “terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos de informações” do órgão.
A norma, cuja legalidade é questionada, não existia na versão do decreto apresentada à imprensa pelo governador no dia 19. Cabral é o principal alvo dos protestos. O grupo de investigação é formado pelo Ministério Público Estadual (MPE), Secretaria de Segurança e Polícias Civil e Militar.
O advogado Técio Lins e Silva comparou o decreto n.º 44.302 a comissões de inquérito criadas na ditadura militar e afirmou que “está entre o delírio e o abuso de poder”. “É caso de impeachment, há uma violação clara de direitos constitucionais.”
Mestre em direito constitucional, Paulo Rená também questionou a legalidade do texto e afirmou que, na prática, ele “instaura um estado de exceção no Rio e configura uso abusivo do poder estatal”. Segundo o jurista, a previsão de obrigação sobre as empresas de telefonia e internet extrapola a competência do governador. “É uma norma que só serve para ameaçar os intermediários.”
O advogado Sérgio Bermudes disse que o parágrafo que exige das empresas de telefonia e internet que entreguem informações de usuários é questionável, mas não vê inconstitucionalidade. Para Bermudes, trata-se de “um expediente canhestro inventado pelo governador para retirá-lo do foco, porque as manifestações são contra ele.”
Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e professor de direito constitucional, Carlos Velloso disse não ver inconstitucionalidade, mas faz uma ponderação: “Seria questionável, sim, se poderia o decreto estabelecer prazo de 24 horas para atendimento”.
O professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) Cláudio Souza Neto criticou a composição da comissão porque ela “acaba militarizando a investigação criminal”.
Prioridade. O artigo 3.º estabelece que solicitações e determinações da comissão encaminhadas a todos os órgãos públicos e privados do Rio “terão prioridade absoluta em relação a quaisquer outras atividades da sua competência ou atribuição”. Segundo o artigo 2.º, a comissão poderá “requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos”.
A assessoria do procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, afirmou que “não haverá quebra de sigilo sem decisão judicial”. Em nota, o MPE alegou que “o decreto limita-se a fixar prazo para resposta dos pedidos de informação da comissão, sejam eles formulados diretamente ou por meio de decisão judicial”.
Na segunda-feira, 22, o procurador que preside a comissão, Eduardo Lima Neto, encerrou uma entrevista coletiva após dois minutos. “Estamos construindo a forma de atuar e não posso revelar detalhes”, disse ele, afirmando que “direitos serão respeitados” e que “policiais serão investigados”. Neto não quis comentar a prisão na segunda-feira de dois repórteres do grupo Mídia Ninja, acusados de incitar a violência.
Acusação. Na segunda-feira, 22, o MPE formalizou denúncia contra dois homens acusados de vandalismo em manifestações realizadas nos dias 17 e 20 de junho. Eles são acusados por uso de explosivos, formação de quadrilha e incitação ao crime, além de dano ao patrimônio. Foi requerida à Justiça a prisão preventiva dos dois.
As polícias Civil e Militar foram procuradas para informar se estão investigando a eventual participação de policiais na incitação à violência durante a manifestação na rua do Palácio Guanabara na segunda-feira, 22. A Polícia Civil afirmou que a comissão “vai analisar o vídeo”.
Em nota, a PM informou que mantém agentes do setor de Inteligência acompanhando manifestações, “com o objetivo de obter informações e prever movimentos, (...) importantes para as decisões de comando”. Mas que “esses agentes trabalham apenas com a observação” e “imaginar que um policial vá atirar um coquetel molotov em colegas de profissão, colocando suas vidas em risco, é algo que ultrapassa os limites do bom senso e revela uma trama sórdida para justificar a violência criminosa desses vândalos”.
Nota. O governo do Estado do Rio de Janeiro emitiu uma nota de esclarecimento à imprensa:
"O decreto do Governo do Estado do Rio de Janeiro que cria a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV) sempre esteve em absoluta sintonia com o Ministério Público RJ e, em momento algum, estabeleceu que a CEIV quebrasse sigilos. Somente à Justiça caberá a quebra de sigilos solicitados pela Comissão Especial que é presidida pelo MP-RJ".
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