Presidente tampinha
Magistrado que postou foto na praia ironizando o Judiciário tem um plano: governar o País
Marcelo Antonio Cesca tem 1,68 m. A mesma estatura de Napoleão Bonaparte. Cesca quer governar o Brasil. Aos 33 anos, o juiz federal não tem atividade político-partidária conhecida. Mas a ambição vai ganhando ares de plataforma política enquanto ele discorre, em uma hora de conversa, sobre as mazelas do Judiciário, racismo, disfunção erétil, o Departamento de Estado americano, maçonaria, surto psicótico, Lei Maria da Penha, marxismo, suicídio e teorias sobre os planos chineses de dominação global.
Cesca é antenado com seu tempo. Sua primeira peça de marketing eleitoral foi nas redes sociais. Nessa semana, ele postou fotos suas na praia, acompanhadas de comentários irônicos sobre o fato de estar sem trabalhar desde 2011, e ainda assim receber salário de R$ 24 mil. "Dois anos e três meses sem trabalhar, mais 106 dias de férias que ainda terei que usufruir. Não é fácil viver no Brasil", escreveu ao lado do retrato em que aparece nas areias de Balneário Camboriú (SC) com um copo de caipirinha na mão, sunga no corpo e o barrigão em primeiro plano. As fotos se espalharam como sua fama.
As imagens e as legendas que as acompanharam, diz o magistrado, foram uma crítica à "podridão do Judiciário", que o mantém afastado do trabalho por problemas de saúde, mas ao mesmo tempo não encaminha sua aposentadoria por invalidez. "Eu quero trabalhar. Não sei ainda com o quê, mas sei que não vai ser como juiz", afirma ele. "O problema é que hoje não posso sequer carpir um lote na esquina e cobrar cinquentão. A lei não permite."
Seu afastamento do trabalho ocorreu em 2011, depois que um desacerto com os antidepressivos que tomava desencadeou um surto psicótico, ele diz. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) explicou em nota que a decisão partiu do Tribunal Regional da Primeira Região, em processo que avalia a sua "higidez laboral". Cesca conta ter sido durante o tal surto que ele disparou dezenas de mensagens eletrônicas para sua lista de contatos. Algumas continham letras de músicas, outras, poesias - e muitas, com pesadas ofensas ao Judiciário e a alguns dos mais estrelados nomes da categoria (entre eles os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto, do STF, Eliana Calmon, ex-corregedora do CNJ, e suas respectivas genitoras), seguiram para uma lista de discussão de membros da Associação dos Juízes Federais do Brasil.
A metralhadora verbal fez a entidade abrir caminho para a expulsão de Cesca, mas o processo foi suspenso quando ele próprio pediu seu desligamento. Os xingamentos também estão entre os documentos que o Tribunal Regional Federal, em Brasília, incluiu na análise do processo de aposentadoria do juiz por invalidez. Algumas das ofensas disparadas por e-mail em 2011 foram reiteradas via Facebook nos últimos dias. Mas o que o move agora não é um novo surto psicótico, afirma Cesca, e sim "uma guerra psicológica" contra a alta cúpula do Judiciário brasileiro, esse "hipopótamo com as quatro patas quebradas". Ele não faz menção às insinuações de que o aparente desequilíbrio que motivou as postagens é uma estratégia para atestar a invalidez, o que aceleraria o processo de aposentadoria. Ciente de que não deverá retomar suas funções na Justiça federal, ele quer cair atirando - e, de quebra, fazer seu nome ganhar corpo para governar o Brasil lá por 2040. Se tudo der certo.
Paranaense de Guarapuava, Cesca mora em Brasília há três anos. Tem uma irmã, o pai morreu de câncer no ano passado e a mãe se suicidou em 1999. "Ela estava em uma espiral depressiva. Entrou na churrasqueira, despejou 500 ml de álcool no corpo e ateou fogo. Morreu dez dias depois", afirma. Casado por dois anos, a relação fez água no fim de 2011. Foi a época do desequilíbrio. Nesse período, já afastado do trabalho, viajou sozinho para os Estados Unidos. Circulou entre Washington, Orlando e Miami, onde se ocupava de festas e passeios num Mustang preto alugado.
Mas antes de embarcar de volta ao Brasil teve seus cartões de crédito congelados. Sem dinheiro, ele diz ter vendido celular, máquina fotográfica e até as próprias roupas para comprar comida. Já de volta a Brasília, foi surpreendido ao abrir a porta de casa: lá o esperavam três enfermeiros, que o sedaram para poder levá-lo para uma clínica psiquiátrica. Para que um movimento brusco não machucasse o paciente, um dos enfermeiros usava luvas de boxe, ele jura. "Mas, antes de voltar, eu já estava bem", afirma. "Me internaram à força." Quem internaram? Ele não tem certeza se o pai ou a ex-mulher.
Quem o viu de sunga nas fotos que fizeram sua fama repentina não supõe que ele já foi chamado de presidente. Na adolescência, Cesca esteve à frente do Centro de Atividades Estudantis de Guarapuava (PR). Espevitado e baixinho, o futuro juiz federal virou o "Presidente Tampinha", na galhofa sempre inevitável no universo adolescente. Hoje ele acha graça do apelido, mas se entusiasma com a ideia de adotá-lo na futura campanha presidencial. "Presidente Tampinha, é isso aí. Daqui a 20, 25 anos, eu chego lá. Pode escrever." Tá escrito. Mas Imperador Tampinha, por enquanto, não é possível.
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