domingo, 3 de março de 2013
Obras do PAC revelam tesouro
Achados arqueológicos, que remetem a civilizações pré-históricas, serão cobertos por hidrelétricas e rodovias; Iphan não acompanha demanda
O novo ciclo de obras de infraestrutura do governo federal revelou tesouros arqueológicos literalmente enterrados há séculos, que não seriam descobertos tão cedo.
Analistas do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) gerenciam centenas de sítios arqueológicos e artefatos durante o licenciamento de empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Alguns dos achados remetem a civilizações pré-históricas, em áreas que serão cobertas por reservatórios de hidrelétricas, cortados por rodovias, soterrados por ferrovias ou vizinhas de refinarias.
Na área da usina hidrelétrica de Belo Monte (PA), há registro de inscrições rupestres. Em Santo Antônio (RO), onde se levanta uma usina de 3,15 mil megawatts ao custo de R$ 15 bilhões, há sítios com artefatos arqueológicos até 4 metros debaixo da terra. Em Jirau (RO), foram encontradas pinturas rupestres em pedras e cerâmicas indígenas.
No Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), um dos maiores empreendimentos do PAC ao custo de R$ 23,5 bilhões, foi identificada uma pequena cidade, da qual resta visível apenas as ruínas da fachada de um convento. A localidade foi inteiramente mapeada e, depois, enterrada novamente, em linha com as melhores práticas internacionais para preservação de sítios: mantê-los debaixo da terra, até que haja dinheiro para um projeto de manutenção e estudo apropriado.
Há também casos de barbeiragem de empresas. Algumas delas, estatais, como a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf). Durante as obras do programa Luz para Todos no Piauí, a instalação de um poste causou um buraco no chão de um sítio arqueológico - e um prejuízo de difícil mensuração.
Demanda. Após o licenciamento, o Iphan tem dificuldades de acompanhar as obras e fiscalizar erros como esse. Até 2007, havia apenas sete arqueólogos no instituto. De lá para cá, o número aumentou para 38, quantidade ínfima quando se verifica que há demanda de 1,4 mil processos de pesquisa por ano, a imensa maioria (95%) relacionada a obras de infraestrutura. Não é fácil recorrer ao setor privado: apenas 12 universidades do País oferecem cursos na área, um reflexo pouco conhecido da interrupção dos investimentos em infraestrutura nas décadas de 1980 e 1990.
"Trabalhar com o número atual não é possível", avaliou a arquiteta Jurema Machado, que preside o instituto há quatro meses e tenta convencer o Ministério do Planejamento a autorizar concursos para novos servidores ou contratação de temporários.
Por lei, cabe ao Iphan analisar os aspectos culturais, no âmbito do licenciamento ambiental, promovido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Além de atender às demandas geradas pelas obras do PAC, os analistas avaliam obras estaduais. Mas foi a chegada de grandes empreendimentos na Região Norte que trouxe à tona ocupações das quais não se tinha notícia.
A falta de funcionários, que obriga o Iphan a dar prioridade para os licenciamentos, termina adiando uma etapa importante do trabalho. Depois de localizar o que chamam de "cacos" ou pinturas rupestres ou restos de objetos de uso cotidiano em sítios onde serão construídas hidrelétricas, o pessoal do Iphan coloca tudo em contêineres. Os artefatos ficam guardados ali. Ainda não foram decifrados e, de certa maneira, continuam enterrados e distantes dos olhos do público.
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